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Crônicas de D. Darluz e o Sagrado Feminino

Foto do escritor: Jp SantsilJp Santsil

No coração do eterno feminino, onde os fios do destino são tecidos com fios de ouro e prata pelo tempo imemorial, habita a essência sagrada da Mulher – guardiã dos mistérios, fonte da vida, chama da intuição e do amor incondicional. Hoje, sob a bênção do Dia Internacional da Mulher, honramos todas aquelas que, como a ancestral D. Darluz, curam com as mãos, com as palavras e com o olhar profundo que enxerga além do visível. Mulheres que carregam no ventre a sabedoria das estrelas, que plantam ervas de poder para curar os corpos e as almas, que sustentam o equilíbrio do mundo com sua presença, sua força, sua doçura e sua coragem. São elas as tecelãs da magia cotidiana, as que transformam a dor em cura, a sombra em luz, o ordinário em sagrado. Com pés descalços sobre a terra e corações que vibram na mesma sintonia das marés, elas cantam as canções esquecidas dos tempos antigos, sopram a vida sobre sementes adormecidas e dançam ao redor das fogueiras da renovação. Neste dia e em todos os outros, celebremos o feminino divino, a grande Mãe que pulsa em cada mulher e que nos ensina que o verdadeiro poder reside na delicadeza, na entrega e na conexão com o eterno mistério da criação. Que as bênçãos das ancestrais ecoem em cada uma de vocês, florescendo como um jardim encantado que nunca se dobra ao vento, mas dança com ele, em perfeita harmonia com o infinito. De tal forma, vos deixo, à vocês mulheres, duas crônicas para que relembrem e/ou não esqueçam seu poder de ancorar nesse plano o SAGRADO FEMININO ativo em vocês, seguem:


Arruda Sagrada


Como de costume no final de tarde estava a trabalhar no seu pequeno jardim, em especial, no canteiro de ervas que fizera ao fundo do quintal de sua casa, próximo de uma cerca feita de pequenas varas de bambu-chinês. Esse pequenino canteiro horizontal, confeccionado por pequenas pedras de calcários brancos enfileiradas, era um dos pontos mágicos e sagrados do seu jardinzinho orgânico. Ali encontravam-se plantadas, uma após outra, plantas de poder e de cura, medicina para o espírito, para a alma (psique ou coração) e para o corpo, como: Capim Santo (Elionurus candidus), Erva Luíza (Aloysia citrodora), Erva Cidreira ou Melissa (Melissa officinalis), Sálvia (Salvia officinalis), Babosa (Aloe Vera), Manjerona (Origanum majorana) e duas espécies de lavanda ou alfazema (Lavandula angustifólia e Lavandula pedunculata).


Progressivamente em fila, encabeçando o canteiro, plantara um Pezinho de Limão: “Mas, o que tem de haver um Pé de Limão junto a plantas medicinais e de poder?”. Na verdade, o Pé de Limão fora colocado no lugar, em que se encontrava um saudável e farto arbusto de Ruta-de-Cheiro-Forte (Ruta graveolens), que misteriosamente em uma demanda espiritual de ordem negativa vinda externamente contra ele, o arbusto em caridade protetora, secou gradualmente, aos poucos, em sacro-sacrifício e morreu. Daí lhe veio, como sempre, a doce recordação de infância nas sábias palavras de sua (já desencarnada) bisavó, que era uma poderosa parteira, rezadeira e curandeira. Muito bem conhecida em toda a região onde morava, entre outras muitas fantásticas manifestações, por realizar mais de três mil partos entre humanos e animais, inclusive o dele próprio, sem deixar desfalecer um ser vivo sequer, não importando a gravidade de risco. Praticamente todos os meninos e meninas da localidade nasceram pelas benditas mãos dela, que devido a tal prodigiosa façanha ficará conhecida por todos como Dona Darluz, apesar de ser mais uma Maria das muitas da região.


A respeito da Ruta-de-Cheiro-Forte, sua bisa lhe dizia advertindo: “Essa planta tenho para mim como a mais sagrada de todas as plantas, pois pertence unicamente ao Sagrado Positivo, e, por isso deve ser sempre colocada na entrada da casa. Assim, nada de negativo pode entrar em seu ambiente.”


Devido a tal nostálgica recordação, ele resolveu colocar umas mudinhas da Ruta-de-Cheiro-Forte na entrada da sua casa, e plantar um Pé de Limão no lugar do arbusto que morrera no fundo-de-casa.


Sim! Mas, por qual razão plantar o Pé de Limão no fundo da casa?


Sua bisavó, D. Darluz, lhe falara que o Limoeiro (Citrus limon) era a contrapartida da Ruta-de-Cheiro-Forte. Dizia ela que toda planta tem sua contraparte no mundo, sendo: positivo e negativo, feminino e masculino, inercia e movimento, absorção e repulsão… se completando em ciclos espiralados. Além, é claro, que toda contrapartida deve pertencer a mesma família. No caso o Limoeiro e a Ruta-de-Cheiro-Forte pertencem à família das Rutáceas. Por isso, falara também, que o Limoeiro sempre deve ser plantado no fundo da casa, dessa forma poderia fechar um ciclo para proteção do ambiente, em que o Limoeiro atraia para ele tudo que era de negativo que a Ruta-de-Cheiro-Forte deixara passar se a carga negativa fosse maior que a capacidade da planta barrar, completando assim a proteção energética ambiental.


Sempre em que se entregava a dar manutenção no seu canteirinho de ervas de poder, seus pensamentos, imbuídos em muito sentimentos, voltavam-se com todo carinho para a figura mística da sua bisa, a popular D. Darluz. Seu nome verdadeiro era Maria da Piedade, nascida em Portugal na antiga Vila da Arruda e hoje atual município Arruda dos Vinhos, no distrito de Lisboa (Região de Lisboa e Vale do Tejo), comunidade intermunicipal do Oeste Cim. Dona Darluz dizia ser descendente das famosas curandeiras de sua região, pejoradas pelos ignorantes como Bruxas da Arruda, que por assim, eram descendentes das feiticeiras e sacerdotisas dos antigos Povos Celtas, mas que devido às misturas culturais e étnicas, e de conquistas de outros muitos povos, com seus costumes e crenças, ainda as mulheres de sua família mística mantinham as antigas tradições, com meras e significantes influencias dessas novas culturas que foram ao longo do tempo agregadas (Não citando as muitas mazelas que sofrera sua mística linhagem durante os massacres do Tribunal do Santo Ofício, com a perseguição religiosa da inquisição portuguesa, promovida pelo clero católico dominicano). Imigrara junto a sua família para o nordeste do Brasil nos meados da primeira década do século XX (entre 1910 a 1920), aos vinte anos, devido à crise que se alastrava na Europa, como resultado da conclusão da Primeira Guerra Mundial e da gripe espanhola. Sendo assim, se fixara no Novo Mundo absorvendo também as muitas sabedorias místicas que ali existiam, tanto dos povos ameríndios como dos afrodescendentes.


D. Darluz tinha uma presença magneticamente atraente, sendo uma linda senhora alta, bonita, nem muito magra e nem muito gorda e de olhar penetrante. Morava em uma casa que fora construída metade de pedras e outra metade de madeira a arquitetura arcaica mediterrânea, toda ela erguida com o suor de seus pais, seus irmãos e dela mesma. Em uma chácara com cerca de quarenta hectares. Lá havia um grande pomar com diversas árvores frutíferas, uma horta orgânica, campos de flores e ervas medicinais e muitos animais domésticos, como: cabras e bodes, cavalos e éguas, mulas e burros, jumentos (Equus asinus), galos e galinhas de diversas raças, perus, pombos, papagaios, pavões, patos, gansos, porcos, vacas e bois, além dos muitos animais silvestres da região. E, sobrevivia da produção de derivados de leite (queijos, doces e coalhadas de cabra e vaca) e de suas práticas místicas de reza e cura, que, na verdade, esses serviços sagrados eram lhes recompensados por doações. Pois, ela sempre dizia que a verdadeira proteção e cura não podia ser comprada, apenas recompensadas pelas atribuições dos beneficentes, o que estes julgavam de coração contribuírem de acordo com que achavam ser merecido, e, nunca cobrava nada e nem recebia doações, um centavo sequer, pelos partos que realizava, afirmando ser (esse Sagrado Ofício) a sua verdadeira missão na terra: DAR A LUZ!


Como toda boa portuguesa milagreira em terras brasileiras tinha lá suas queixas, que eram verdadeiramente mínimas e de questões culturais. Sentia falta dos vinhedos e dos bons vinhos, das oliveiras e de suas azeitonas e azeites, dos muitos temperos e ervas naturais do mediterrâneo, das ovelhas e suas deliciosas coalhadas e queijos, do frio nas pradarias e do aconchego da lareira… suas queixas se baseavam em suas saudades de uma terra mágica e romântica… de Portugal, sua gente pacata e sua península ibérica. O Azeite, produto das oliveiras, lhe era sagrado, pois, era através dele que realizava os seus milagres adivinhatórios de cura e proteção. Em que pingava gotas de azeite no consulente, depois com o dedo retornava a pingar o azeite em um prato raso com água, lendo as gotas de óleo que davam forma as verdes letras mágicas no líquido, em seu processo místico divinatório. Também, conseguir o azeite de oliva puro era muito difícil no nordeste do Brasil, porquanto, encomendava algumas sacas de azeitonas do Uruguai com os caminhoneiros que lá iam e regressavam, e, manufaturava pessoalmente o seu azeite. Sendo que nessas consultas com esse processo, independente das doações, cobrava uma certa quantia fixa, apenas, para cobrir os custos do material importado e sua trabalhosa produção.


Em sua casa havia um pequeno quarto dedicado ao sagrado, com uma grande mesa servindo de oratório em que se realiza os muitos milagres, curas e adivinhações. Essa mesa era repleta de objetos místicos, tigelas com água e azeite, vasos com vinhos e porções de cura, pedras semipreciosas, ossos, pequenos frutos e animais dessecados, potes de unguentos e cataplasmas, pedaços de madeiras e galhos secos, velas, óleos essenciais, cristais, pequenos jarros de barro e porcelana, potes com incensos, incensários, instrumentos, lápis e cadernetas de receitas místicas, papeis para anotações, muitas flores e frutas para oferendas, sal grosso, sal amargo, mel, livros e todo teto era coberto com ervas medicinais, arrancadas pelas suas raízes, penduradas de cabeça para baixo. Criando um ambiente de um universo místico com os seus muitos odores e fragrâncias mágicas.


Voltando-se para o aqui e o agora, no seu pequeno jardim, com as tantas recordações da sua bisa, lágrimas rolaram de seus olhos ao relembrar de sua infância, em que vivera da idade de dois anos até os seis na companhia dessa mística senhora portuguesa na sua maravilhosa chácara (Chácara Celeste), que depois veio a falecer tranquilamente dormindo com a idade de 97 anos. Recordou-se das tantas histórias que sua bisavó lhe contara de sua terra natal, como: O Caso da Perua, em que um lavrador descobriu que sua vizinha era uma feiticeira que se transformava em um peru; as lendas de lobisomens e maldições; O Demônio do Pinhal do Álamo, em que um curioso rapaz achou um cabrito branco que, na verdade, era um demônio; A lenda de Nossa Senhora da Ajuda; A Lenda de São Tiago dos Velhos; A Lenda do Ouro e da Peste; A Lenda da Parteira e dos Mouros; A Lenda da Cobra e das Cinzas; A Lenda de D. Manuel I e da Peste; A lenda dos Fornos das Antas; A Lenda dos Quarenta Queimados… E, a lenda que ele mais gostava ‘A Cova do Gigante’, que é um monte do município Arruda dos Vinhos que dizem ser a sepultura de um enorme gigante ciclope Grou que assolava a região.


Sendo que, além de todas essas maravilhosas lembranças, sempre lhe vinha à mente as muitas sabedorias mágicas que aprendera com sua bisa, em especial ao que diz sobre as ervas de poder. Sua bisavó lhe ensinou que as ervas tinham poder de curar e empoderar o Espírito, a Alma (psique ou coração) e o Corpo, sendo que não toda erva era para cura de ambos. Existia um grupo de ervas para cada seguimento dessa tríade, porém, apenas um pequeno grupo de ervas, conhecida por ela nas terras sul-americanas, serviam para cura e, dar poder aos três veículos. Dentre elas estavam o Tabaco (Nicotiana tabacum), a Acácia ou Jurema Preta (Mimosa hostilis), a Chacrona (Psychotria viridis) e o Mariri (Banisteriopsis caapi), a Diamba (Cannabis sativa), a Folha de Louro (Laurus nobilis) e por último, a que segundo ela era a mais sagrada de todas, a Ruta-de-Cheiro-Forte, muito usada em sua tradição milenar Celta, em que ela utilizava para todos os seus processos milagrosos.


E foi por causa da influência de sua bisavó entre as parteiras, rezadeiras, mães-de-santo e curandeiras do Novo Mundo, que a ‘Erva de Cheiro’ como era conhecida no Brasil, trazida das terras mediterrâneas pelos portugueses no período colonial, passou a se chamar nessas terras tropicais do Novo Mundo de: Arruda, em reverência a vila natal de Maria da Piedade, a D. Darluz.



A Bruxa da Arruda e o Sagrado de Tudo


A manhã estava carinhosamente refrescante em um dia de verão calmo, que precedia o calor do seco e ensolarado tempo impermanente. Acordou às cinco horas da manhã como de costume, e já não tinha mais a necessidade do despertador do seu smartphone para tal feito. Simplesmente os olhos automaticamente em uma só expressão se abriram, o corpo em um só impulso na cama se sentou, e mergulhado nos seus pensamentos do que fazer com o novo dia de quarentena que auto se apresentava, meditava… claro! Aqueles dias eram por demais incomuns, de um lado tinha o dia todo pela frente sem a rotina acinzentada do levantar, correr e trabalhar, e, por outro lado, teria que ser criativo ao esforço máximo, em táticas incomuns e altruístas para não deixar que o tédio com toda sua improdutividade o arrebatasse, sequestrando a sua proposital impulsionada momentânea e intencionada alegria.


Essa intencional alegria era a Poderosa Presença do Sagrado em sua vida. E apenas se baseava, por incrível que pareça, as coisas e recordações mais simples e singelas da sua tenra infância. Principalmente as lembranças delicadas e afetuosas de sua bisa, a Bruxa da Arruda, D. Darluz. Pelo qual, todas as manhãs, dedicava em um cantinho do seu oratório (em culto aos antepassados) uma vela sentada em um pires repleto de azeite de oliva misturado a sal grosso e mel, um pote de água que diariamente derramava seu líquido em uma específica planta de Arruda (Ruta graveolens), trocando a água do recipiente todas as manhãs, além de oferendas de flores silvestres, como: Cenoura-brava (Daucus carota subsp. Maximus); Centaurea Nigra (Centaurea nigra subsp. rivularis); flor Leopardo (Belamcanda chinensis); flor de Laranjeira (Citrus × sinensis); flores de Onze-horas (Portulaca grandiflora) e Calêndulas (Calendula officinalis). Tudo isso para se manter em conexão permanente com o espírito de sua querida bisavó. Sendo esta, em vida, sua sacerdotisa. E em morte carnal sua guia espiritual. Pelo que lhe prometera em vida terrena, que ao desencarnar nunca o abandonaria e o vigiaria de cima. Dando-lhe inúmeros conselhos e severas instruções ritualísticas de como manter o contato espiritual com sua alma e coração depois de sua partida.


Para a Bruxa da Arruda, sua bisa, tudo era Sagrado…


E do Sagrado… e unicamente, pertencendo ao Sagrado!


Tudo era vivo! E tinha em si um grande e puro significado.


Tudo era mágico!


Tudo era místico!


Tudo era encantado!


Tudo era rico!


Sua constante alegria não se baseava em emotivos momentos.


Era como o constante balançar das árvores que bailavam se animando, apenas, com o tocar dos ventos.


O seu grande sorriso em sua face iluminada, transmitia a qualquer um que olhava um manancial inesgotável de pleno contentamento.


As pessoas que iam ao seu encontro de amor se preenchiam, automaticamente renovando esse sublime sentimento.


Sua bisa lhe dizia que o Sagrado é um estado a ser sustentado constantemente. Um estado de bons hábitos e boas disciplinas que você mesmo se coloca a praticar. Um estado de Amor, de estar amando e de se sentir amado a toda hora e em todo momento, independente das circunstâncias, posses, pessoas, relacionamentos e virtudes materiais ou espirituais. Um estado de simplicidade e humildade, e cumplicidade no serviço devocional, na prática da caridade e solidariedade. Vivendo em perfeita gratidão e sendo gentil não só com as pessoas, mas a tudo em que os nossos sentidos possam intentar, aplicar e perceber. Lhe dizia que o segredo para vivenciar o Sagrado na prática, estava na gratidão e valorização da vida em todas as suas formas, não diferenciando uma pepita de ouro de uma simples pedra do rio, um ser-humano de uma formiga, a mais iluminada estrela do céu noturno de um singelo grão de areia das praias do mar. E essa valorização é ver a beleza oculta no amago de todas as coisas, sua Energia Divina e Intenção Criativa. Dizia-lhe que para realização de tal feito era preciso se livrar das amarras da má educação de si mesmo, que degenerou os nossos sentidos na elaboração de conceitos e preconceitos, a partir das inúmeras errôneas percepções externas a nossa Linhagem Sagrada, deteriorando e adulterando o nosso pensar, o nosso sentir, o nosso olhar, o nosso ouvir e o nosso falar. E explicou-lhe, que devido a tudo isso, o porquê das manifestações artísticas, arquitetônicas, filosóficas e religiosas de hoje estarem tão feias, rudes, cinzentas, frias, quadradas, embaraçadas e amontoadas, repetitivas e sem coração.


D. Darluz dizia que por nos desconectarmos das sabedorias dos nossos ancestrais, o nosso sentido do novo e a capacidade do espanto e da novidade assombrosa de olhar tudo de maneira nova, no sublime estado de encantamento e percepção de alerta alegria, se perdeu no mundo. Dizia que o mal das futuras gerações estava na comparação e associação de capturar as impressões, sem a capacidade madura de traduzi-las, sendo essa maneira uma errônea tentativa de interpretar o novo sem a compreensão do velho, desassociando as consequências presentes e futuras das ações passadas. Daí, como ensinava a Bruxa da Arruda, eis a importância de se cultuar os antepassados, pois, uma árvore não pode florir e gerar bons frutos sem o bom cuidado para com suas raízes.


Voltando ao momento presente, e na cama em que se encontrava sentado, vira como era difícil traduzir a vivência de infância que tivera com sua bisa para o moderno, virtual, tecnológico e competitivo dias de hoje. Sabia que as redes sociais virtuais, ao contrário do que se pensava, alimentava mais as más ações do ego do que o conhecimento (pelo qual era a sua proposta inicial). E que esse contato virtual se tornou uma máquina alimentadora dos nossos mais animalescos instintos, provocando mediante as imagens, sons, cores e palavras as mais variadas sensações emocionais para a satisfação dos nossos mais carnais e individuais desejos de ter ou ser. Não medindo as consequências de um super ego (‘eu’ pluralizado), que busca sempre aquelas ilusórias sensações que lhe possam dar a tão almejada satisfação momentânea, em uma falsa privacidade de no ato de estar solitário cometermos as maiores torpezas, em que julgamos erroneamente não impactar o nosso mundo externo. Vira que a internet, ao contrário do que fora a sua proposta de unir as pessoas, se tornou um luxurioso baile de máscaras, em que as redes sociais eram essas enfeitadas e coloridas máscaras.


Assim, contudo, preferia estar no seu jardim. Na companhia das lembranças de sua bisa, a Bruxa da Arruda, D. Darluz. Que o lembrava que o mundo ainda era envolvido por uma aura de Novidade Mística, Alegria Mágica e Amor Divino. E que só poderia vivenciar o Sagrado da Vida observando, compactuando, comungando e se relacionando com o Mundo Natural em toda sua essência ecológica. O seu pequeno jardim era totalmente dedicado ao Sagrado e a memória de sua bisavó. Ali… dedicando-se a colocar as mãos e os joelhos na terra, se sentia uma Pessoa Superior em toda sua humildade, dividindo-se entre o observador e o observado, conhecendo a si mesmo na observação dos pequenos seres vegetais, minerais e animais. Se perdendo em um mundo desconhecido de encanto e nostalgia, que o elevava e fazia distante das miseráveis catastróficas vivências de traumas e barbaridades da bestialidade e ignorância humana.


Ao regar suas plantas em pleno final de tarde, se via quando pequeno sentado no colo de sua bisa em uma balança pendurada a um tronco da árvore de Tipuana (Tipuana tipu (Benth.) Kuntze), em que juntos no crepúsculo vespertino se divertiam olhando as inúmeras nuvens no céu a tomar formas inusitadas de rostos, silhuetas, animais e objetos. E sua bisa, também, instigava a sua imaginação a ver essas formas nas plantas, flores, objetos e coisas. Dizendo que as mensagens dos seres naturais (Elementais) vêm a nós nas formas que a nossa consciência pode reconhecer, por eles falarem uma linguagem desconhecida aos nossos sentidos e dimensão.


E, lembrou-se das manhãs ensolaradas ao correr pelo terreno da Chácara Celeste (que na verdade era um pedaço do céu na terra) logo ao acordar, indo de encontro a sua querida bisa nos campos abertos, vendo-a colher flores para o seu ritualístico culto matinal. E chegando ofegante até ela, gritava: “Bisaaaaa!”. E D. Darluz respondia com a mesma intensidade: “Meu Miúdo!”. E ela o carregando, abraçava forte e o cobria de beijos, até ele dizer basta. E, D. Darluz lhe dizia: “Olha meu Miúdo, não existe nada neste mundo que é mais adorável que uma flor, nem nada mais essencial que uma árvore e planta, sem elas não conheceríamos o belo, não poderíamos respirar e nem comer, nem nos curar. E, ocultamente a esses benefícios que elas nos trazem ao nosso corpo de carne e seus sentidos, tem ainda a sua função mística, que é a mais relevante, algo divino em que as pessoas comuns e materialistas não têm a capacidade de ver. Uma força mágica e espiritual, eterna e imutável.”


A Bruxa da Arruda sempre o alertara a valorizar todas as coisas… de uma simples pedra a um pequeno objeto. Como um brinquedo, um utensílio ou algo do tipo. Dizia que tudo tem um propósito e que nada é obra do acaso. Alertara que todas as coisas por serem criações foram pensadas e intencionadas a se manifestarem. Tudo tinha um espírito, mesmo as coisas inanimadas. Pois, sempre afirmará: “O que tem corpo, tem espírito. Tudo é vivo! Toda criação é fragmento do seu Criador, contendo em si uma determinada energia que por mais pequena e singular que seja, é viva em si mesma, presa e magneticamente sustentada nesse corpo, é consciente especificamente para executar tal função, e depois de executada por si só se decompõe e desaparece”. E afirmava que a evolução desses corpos inanimados tinha a ver com a evolução humana, de acordo com seu grau evolutivo. Assim, o inorgânico Elemental podia se manifestar numa pedra, numa mesa, em um relógio de pulso, nos objetos que mais amamos e desejamos, e ainda mais nos brinquedos das crianças, por serem carregados de sentimentos. E que por isso, para seus Rituais da Magia Elemental necessitava dos objetos e minerais… das pedras… das cascas de árvores… dos restos de corpos dos seres vivos e seus derivados, onde continha ainda preservada a energia Elemental necessária para tal e específica magia.


Assim, Maria da Piedade…, moradora e proprietária da Chácara Celeste, que se localizava em algum lugar escondido na região nordeste do Brasil…, a Bruxa da Arruda: agricultora, queijeira, azeiteira, parteira, rezadeira, curandeira, e feiticeira portuguesa…, de origem dos antigos povos celtas das terras europeias mediterrâneas da Península Ibérica…, apelidada como D. Darluz…, afirmava que quando nos damos conta da existência do Poder Criativo em tudo que existe ao nosso redor e no nosso viver, quando descobrimos que tudo tem coração e inteligência, que tudo é intenção, e que a toda intenção foi aplicada uma específica atenção, e que a tudo que damos atenção doamos uma determinada fração de nossa energia vital, que se torna um fragmento de vida em si, independente por si próprio e evolutiva em si mesma… Tudo se torna Divino! Tudo se torna Sagrado! A ordem da Grande Espiral do Eterno e Permanente Contínuo.




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